sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Teorias sobre a moral

O que significa ser "bom" ou ser "uma boa pessoa"?

Muitas possibilidades de definição aparecem na história da filosofia e em discussões mais
comuns. Para alguns "ser bom" é idêntico a ser honesto e trabalhador. Para Immanuel Kant,
ser bom significa ter uma disciplina racional voltada para a descoberta e para a obediência
das leis morais universais, significa ter um bom caráter. Para David Hume ser bom significa
ser útil, ser capaz de promover o maior benefício possível para o maior número de pessoas,
significa ser feliz e trazer felicidade aos outros.    

Honestamente, todas as definições do que é ser moral que já estudei partilham de semelhante
quantidade de pontos positivos e negativos e trazem um semelhante universo de possibilidades
e limites teóricos e práticos. Não parece existir uma teoria superior, e também não parece que
todas as teorias falharam de alguma maneira, muito pelo contrário.

Me parece que existem questões de princípio, nas quais a própria dignidade das partes
envolvidas está em jogo. Nessas questões, não penso que seja pertinente uma solução baseada
na utilidade e naquilo que se observa de fato no mundo, porque se trata de um conflito de ideias,
como "nossa situação é justa?" ou " estou sendo respeitado?". Nesses casos a moralidade deve
ser examinada pelo uso da razão e com o apoio de princípios universais, porque "justiça" e
"respeito" não existem no mundo físico, mas guiam nossa percepção dele de maneira fundamental,
o que nos impede de chamar tais noções de puras ficções, mesmo que sejam de origem fictícia.

Penso também que nós não podemos nos esquecer que temos corpos e que o exercício da razão
não é puro nem suficiente para lidar com a existência humana. Existem algumas questões pertinentes
ao estado de nossos corpos e de sensações mais próximas do físico do que do intelectual. Nesses
casos, o uso puro da razão e dos princípios universais é impertinente porque desvia o foco da
verdadeira questão, que se refere a casos particulares e interações entre coisas físicas, animadas
ou não, porque são questões como "esta ação nos trará sofrimento ou alegria?" ou " que organização
seria mais conveniente para nós?". A nossa compreensão do estado das coisas materiais decide o
significado da moralidade nesses casos, porque neles o que muda em nós depende estritamente do
corpo e dos fatos. Essas questões são práticas e científicas se comparadas com as de princípio,

A ideia de que um sujeito moral é um trabalhador dedicado, disciplinado e sincero aparece
com frequência em discussões comuns. De alguma maneira essa noção une as duas citadas
anteriormente, considerando ambos os aspectos práticos e os ideais da situação de uma maneira
simples. Considerando que nós agimos durante boa parte de nossas vidas de maneira automática
e influenciada pelo contexto, existe um apelo nessa forma de pensar. Ela é, porém, impertinente
em qualquer caso em que a confiança no estado vigente esteja perdida, porque é baseada acima
de tudo na obediência e na disciplina, de tal forma que se os princípios defendidos pela população
e pelo governo são duvidosos e confusos, ser obediente e honesto significa ser ludibriado e
manipulado. É o nosso caso, infelizmente.    
          
Os defensores acadêmicos de cada ponto de vista moral gostariam que a discussão moral fosse
redutível a suas teorias prediletas, ou simplesmente pouco se importam com o mundo.
De qualquer forma, essa redução é impossível. Não sabemos transformar questões de princípio
em questões práticas, nem o contrário. Muitas tentativas foram e são feitas,

Por exemplo, um cientista poderia monitorar os impulsos cerebrais de voluntários colocados diante
de certos dilemas morais clássicos, para localizar as partes do cérebro estimuladas e a ordem dos
estímulos. Extrair de tal experimento alguma consequência metafísica é incorreto logicamente.
Nada no observado permitirá que o cientista conecte o observado com os objetos abstratos envolvidos
em tais dilemas, como "bem" e/"mal". As propriedades do que ocorre fisicamente não podem ser
aplicadas ao intelectual. Me chamem de cético ou até de profeta, mas eu lhes asseguro que essa impossibilidade vai persistir independentemente dos avanços da ciência. Isso porque existe um erro
de fundamento em se tentar reduzir questões existenciais a questões práticas. Não nego, porém,
a relevância geral dos resultados científicos para o entendimento geral que a humanidade tem de
si mesma. Meu ponto é que esses resultados tem um campo de pertinência bem definido, e por
esse motivo precisamente são tão potentes no exame da prática.

Um metafísico poderia utilizar do caráter geral de seus princípios universais para abarcar
preventivamente quaisquer casos particulares a serem descobertos pela ciência, e isso tudo
com um sistema logicamente impecável e repleto de belas palavras. Mas isso é apenas um truque,
e já está ultrapassado. Nós sabemos bem hoje que não podemos confiar absolutamente na
correspondência entre nossas ideias e os fatos que elas representam, e que existe um elemento
de crença em toda teoria que adotamos. Além disso, "dignidade", por exemplo, diz respeito a
algo estritamente teórico e psicológico, e é antes algo religioso ou artístico do que algo científico.
Não é possível extrair tão descuidadamente normas morais para o trabalho e para a ciência de
processos intelectuais abstratos e não fatuais. Várias de nossas interações com o meio físico
são desprovidas de significados metafísicos, e a moralização intelectual -- em vez da prática --
do que é físico resulta em aberrações como a impurificação da sexualidade e o banimento da
homossexualidade como algo imoral. Condenar alguém é uma prática que deve ser controlada primeiramente pelo exame das consequências. Além disso, nosso desejo de generalizar
frequentemente sai do nosso controle, e muitas vezes crença se transforma em ódio cego.
Repudiar alguém é uma ferramenta que requer cuidado e sobriedade, dadas as consequências.

O que quero mostrar, por enquanto, é que apenas um sujeito capaz de reter todas essas formas
de ver o bem e o mal dentro de si tem verdadeiro potencial para agir moralmente em qualquer
situação. O desejo de elevar uma teoria ao máximo é uma infantilidade intelectual. Aquele que
pretende "ser uma boa pessoa", como dizem, precisa conter todas essas ferramentas de análise
e significação do mundo, em equilíbrio. Ele não deve ser como os acadêmicos que estudam
mil teorias apenas pela diversão e pela vã glória de ler livros difíceis, nem como os cegos e
surdos que sustentam uma única série de princípios e justificativas ao longo da vida,

O exercício consciente do bem -- ou do mal -- está acessível apenas aos observadores e
aos adaptáveis, aos que sabem unir a razão e a sensação sob várias perspectivas mas com o
mesmo sentido, nesses tempos nos quais perspectivas de diversas épocas diferentes são
sustentadas ao mesmo tempo, nos quais um ponto de vista único nunca basta.    

Fazer o bem é uma arte da renascença, é buscar a afirmação máxima da humanidade
e da sua história, exercendo e elevando a arte, a ciência e a fé. Desfazer as instituições
decrépitas, calar as palavras mórbidas e inspirar para o amor, para o poder, para a vida.    

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