sábado, 30 de maio de 2015

Sobre a ignorância

Muitos acreditam que a ignorância é uma benção, que nós vivemos em um mundo confortável e de infinitas possibilidades até o momento no qual descobrimos os fatos. Mesmo entre aqueles que se dedicam ao conhecimento, essa opinião é muito popular. Diversos intelectuais fazem a distinção entre os ignorantes felizes e os sábios necessariamente amargurados. Mas há algo muito estranho nessa crença, e também nessa postura de martírio que muitos intelectuais assumem.  

Primeiramente, independentemente de suas convicções religiosas, filosóficas ou científicas, você deve saber que o que separa um ser humano dos demais animais é, essencialmente, sua mente. Os seres humanos sobrevivem melhor que qualquer outra espécie do planeta porque nós fazemos previsões complexas, nos comunicamos extremamente bem, registramos observações, etc. Nosso conhecimento nos traz poder sobre a natureza, o que significa que a ignorância é falta de poder. Isso significa que "a ignorância é uma benção" não pode fazer sentido nenhum no âmbito prático.

Conhecer um objeto nos ensina sobre diversas possibilidades de ação sobre ele. Nisto está um dos fundamentos principais da ciência e, ao mesmo tempo, da criatividade artística. Conhecer a nós mesmos fortalece e aprofunda nossas mentes, elevando esse potencial que chamamos de liberdade. Conhecer outras pessoas possibilita que tenhamos sentimentos poderosos e laços duradouros. De todas as formas, a ignorância não pode ser algo positivo na teoria, na arte ou nas relações humanas. As interpretações formadas a partir do pensamento profundo são muito mais poderosas que aquelas formadas com pouca ou nenhuma consciência, e enfrentar as emoções negativas de frente traz amadurecimento, força e uma maior apreciação dos momentos felizes.

A ignorância não poupa trabalho, porque as confusões resultantes agravam os problemas existentes e geram novos, e também não amplia a imaginação porque o vazio não pode ser fonte de inspiração. Apesar da ignorância não ser algo positivo nem na teoria nem na prática, aqueles que sustentam a opinião comum se baseiam em uma experiência também bastante comum. Todos nós testemunhamos muitas vezes ao longo da vida casos nos quais um sujeito se desespera após receber uma informação relativa a um problema que lhe era desconhecido. Como isso pode ser possível, considerando o que foi explicado anteriormente?
A explicação para isso não está em um problema com a verdade, mas sim em determinadas posturas em relação a ela.

Aqueles que acreditam que uma informação pode atormentar alguém se esquecem de que a obsessão também é uma forma de ignorância. É evidente que saber de fatos desagradáveis traz sofrimento a um indivíduo, mas também deveria ser evidente que vivemos em um mundo extremamente vasto que possibilita que durante todos os dias um sujeito pense em diversas coisas diferentes. Nós, porém, muitas vezes fixamos uma única informação como base para interpretar uma infinidade de fenômenos. Assim, não é o conhecimento que traz sofrimento, mas sim o erro de repetir obsessivamente algum pensamento desagradável. Se colocadas em contexto devidamente, mesmo as informações que individualmente trazem sofrimento se tornam fonte de aprendizado e amadurecimento. "O que não mata fortalece." Além disso, aprender sobre uma impossibilidade permite que nós não mais gastemos energia com algo fútil, como uma mosca tentando atravessar uma vidraça.

A postura de mártir que muitos intelectuais assumem também é baseada em erros. Um desses erros está claro na alegoria da caverna, de Platão. Os habitantes da caverna são acorrentados, um símbolo de um destino infeliz, não de uma escolha preguiçosa. O indivíduo que vê a luz não fica aterrorizado, mas sim maravilhado, e chega a sentir pena dos prisioneiros das sombras. Por que aquele que viu a luz sentiu pena daqueles que viam apenas as sombras? Por que em vez de desfrutarem de um mundo de possibilidades, os prisioneiros davam nomes às sombras e criavam disputas sobre esses nomes, se orgulhando disso como tolos. Não é exatamente isso que a maioria dos acadêmicos faz? A infelicidade desses pretensos intelectuais não vem do conhecimento, mas sim da forma de ignorância chamada pretensão.

Em geral, a ignorância aparece como uma benção quando o conhecimento é mal compreendido, "Saber é poder". A alegria, a beleza, a virtude e a criatividade são, claramente, formas de poder.