quinta-feira, 23 de junho de 2016

O Evolucionismo Como Teoria Social

A " natureza humana " foi utilizada como axioma em muitas teses científicas e filosóficas ao longo da história. Muitos pensadores buscam provar suas teses e reforçar suas prescrições argumentando que a natureza humana é necessariamente benevolente e altruísta, ou que ela é necessariamente egoísta e inclinada à maldade, que todo ser humano tem essas e aquelas características independentemente de suas particularidades. A teoria da evolução muitas vezes é citada com esse propósito, em afirmações como " O ser humano é uma espécie poligâmica porque os machos são geneticamente programados para gerar tantos descendentes quanto possível " ou " o ser humano é uma espécie monogâmica porque espécies mais evoluídas se reproduzem e garantem o sucesso da prole em processos mais complexos ". As mais diversas proposições morais, políticas e existenciais são frequentemente justificadas por interpretações da teoria da evolução, além de implicações tiradas das recentes descobertas da neurociência. Em que medida argumentos evolucionistas são válidos em discussões que estão além do domínio estrito da biologia ?
Qual é o alcance daquilo que podemos derivar dos recentes avanços na biologia ?

A teoria da evolução não resolve o problema de como a vida surgiu, tanto menos o problema de qual é seu propósito. Seu propósito é explicar como a vida se diversificou e se tornou o que experimentamos hoje, sua proposição central é a de que o processo de reprodução dos seres vivos produz novas espécies e modificações nas espécies existentes ao longo das gerações. Isso significa que o número de espécies diferentes existentes no mundo não é fixo, e que as características da vida estão em constante, embora lenta, transformação. Isso claramente nega a ideia de que um Deus criou a vida tal como ela é hoje. O curioso, porém, é que argumentos evolucionistas frequentemente são utilizados para negar a existência de um Deus como um todo, para negar a existência de um propósito intrínseco à vida ou para defini-lo desta ou daquela forma, além de explicar como a vida teria de fato se originado. Muitas opiniões já foram dadas sobre essas questões, uns afirmando que a evolução é apenas uma teoria, outros afirmando que Deus pode ter criado a vida para evoluir da forma que observamos, enfim, se trata de um debate complexo mas que não me parece tão interessante quanto a pergunta " Se a teoria da evolução não é direcionada às questões sobre a origem e propósito da existência, por quê esses debates existem ? ". Em vez de fazermos afirmações e negações em algum dos vários debates nos quais o evolucionismo é usado como base teórica e retórica, tomemos por um momento esses debates enquanto um fenômeno cultural e político.

Nossas instituições dividem o conhecimento em áreas principalmente por uma questão de organização. Se tratamos do conteúdo dessas " áreas ", não parece razoável afirmar que as teorias da biologia são em si separadas das da química ou mesmo das da física, por exemplo. As proposições de uma disciplina tem implicações diretas nas demais porque, simplesmente, não pode existir uma verdade para a biologia e outra para a física, todas as disciplinas se dirigem à mesma existência. A noção de " interdisciplinariedade " costuma ser citada como uma promessa de inovação didática e intelectual das instituições de ensino superior, como se fosse uma incrível novidade que estamos construindo. A cultura de especialização, sim, é uma construção, enquanto a proposta de interdisciplinariedade é simplesmente uma tentativa de aliviar os efeitos negativos de um foco exagerado na especialização ao longo de quatro gerações de intelectuais
( ou melhor, de trabalhadores ). Por mais que as disciplinas possam parecer amplas o suficiente se olhadas individualmente, quando consideramos o todo da história do conhecimento e das artes é notável o quanto nossas disciplinas são restritas. Tente fazer um biólogo compreender psicanálise, ou fazer um filósofo da ciência compreender física de fato, e você notará que a especialização cria hábitos, naturaliza pressupostos e cria limitações de discurso e de pensamento. Isso é agravado ainda pelo fato de que nas universidades existe uma espécie de competição em torno da " excelência ", na qual especialistas disputam entre si testando quem é mais ou menos especializado. Doutores em filosofia se orgulham de terem lido um único livro de um único autor quinhentas vezes, doutores em neurociência se orgulham de serem plenos conhecedores da parte V1 do córtex visual, etc. Ser excelente nesse contexto significa conhecer cada átomo da ponta de um alfinete. Não é surpreendente que o próprio capitalismo que gerou essa cultura de especialistas criou a demanda por mais " interdisciplinaridade ".

A especialização exagerada não apenas falha como projeto intelectual, mas também falha psicologicamente. Um intelectual extremamente dedicado a pensar sobre a condição humana e a compartilhar sua visão em obras e debates dificilmente irá se satisfazer em passar a vida toda falando sobre o primeiro parágrafo da Crítica da Razão Pura ou sobre o genoma dos gorilas. Um cientista observa e experimenta os movimentos da cultura tanto quanto um sociólogo ou um antropólogo, e ele certamente terá suas próprias ideias sobre os mais diversos eventos e dilemas que não são contidos no campo acadêmico no qual se especializou. Porém, sob o pressuposto de que mais especialização significa mais excelência e afirmações mais seguras, essa rica e saudável tendência de um indivíduo ampliar os próprios horizontes gera uma série de discussões inúteis, porque o cientista especializado amplia seu universo de discurso sem ampliar seu universo de estudo. A especialização em áreas tem o benefício de colocar certos objetos e assuntos em evidência, mas tem o efeito negativo de excluir naturalmente muitos assuntos importantes. Por exemplo, o enfoque em experimentos controlados e dados empíricos quantificáveis claramente favorece o desenvolvimento tecnológico, mas excluí diversos objetos como a subjetividade, a cultura, a metafísica, a arte, etc. Isso porque esses objetos são em si mesmos apoiados por axiomas, proposições filosóficas, teses holísticas e outras formas de construir conhecimento e interpretar o mundo que não se mostram em processos reprodutíveis e quantificáveis. Cientistas que fazem afirmações filosóficas e políticas bombásticas e questionáveis frequentemente usam o fato de terem feito experimentos em laboratórios como um reforço retórico, como se um método mais restrito de pesquisa implicasse em proposições menos questionáveis, ignorando todos os pressupostos filosóficos e todas as implicações epistemológicas da infraestrutura da pesquisa acadêmica.

Esse aspecto de, por um lado, insuficiência e, por outro, de supervalorização da superespecialização explica porque cientistas que conhecem bem a teoria da evolução acabam a usando de maneira indevidana justificação ( ou crítica ) de determinados valores. Entretanto, muitos pensadores de outras áreas buscam na evolução o apoio retórico que há em se afirmar que a natureza humana é desta ou daquela forma, o que exige que a forma geral desses argumentos seja examinada de perto. Existem alguns elementos que são presentes em qualquer argumento que utiliza uma concepção de natureza humana como base, elementos que estão presentes tanto nos argumentos religiosos quanto nos científicos. Essa forma de argumento é sempre teleológica, ou seja, sempre define uma finalidade específica para cada determinada característica da condição humana através da análise dos processos que possibilitam tal característica. Por exemplo, um evolucionista poderia argumentar que a homossexualidade é um distúrbio afirmando que a finalidade da sexualidade é a reprodução e que uma relação sexual que não tem essa finalidade sequer indiretamente precisa ser algum tipo de falha -- ou que a homossexualidade não é um distúrbio porque cria relações afetivas que tem um papel na sobrevivência da espécie. Algo semelhante ocorre com a discussão em torno do altruísmo, na qual uns afirmam que nós somos geneticamente programados para propagar nosso material genético sobrevivendo tão bem quanto possível ( independentemente do que aconteça com outros materiais genéticos nesse processo ) enquanto outros afirmam que essa tarefa envolve relações de simbiose que resultam em afetos que conhecemos, ou que Deus nos fez para amar nossos próximos, ou que o homem é bom mas a sociedade o corrompe, etc. Valores comunicados em formato teórico.

Existe ou não um propósito geral para a existência humana ? Essa questão pode ser respondida de qualquer forma a partir de qualquer um dos grandes sistemas de interpretação da existência. De um ponto de vista religioso ou espiritual, o mundo pode ter sido criado com um propósito específico e misterioso ou pode ter sido criado para nós. De um ponto de vista materialista ou científico, toda a existência pode estar determinada em uma direção específica por uma cadeia de causas e efeitos ou o universo pode ser como um todo indeterminado. A questão acaba sendo simplesmente interpretada da forma mais agradável para cada sujeito, independentemente de quaisquer evidências científicas ou reformas na religião, e nada deve ser feito para interferir nisso. Isso nos deixa apenas as questões mais específicas, como a finalidade da sexualidade. Porém, se colocamos de lado o problema da finalidade geral da existência como algo que apenas pode ser resolvido objetivamente por alguém que conhece o universo ( atual, passado e possível ) de maneira suficiente para avaliá-lo como um livro ou um filme, não temos nenhuma razão para levar a sério quaisquer prescrições ou normas baseadas em uma " natureza humana ". Por exemplo, é bastante claro que o corpo humano se desenvolve biologicamente em dois tipos complementares, e que a reprodução na sua forma mais natural ocorre através de relações sexuais entre um indivíduo de cada tipo. Mas, se a partir dessa base biológica toda a diversidade que podemos observar é possível, ou não existe finalidade nessa estrutura biológica, ou a finalidade existe mas envolve a existência de diversas formas de sexualidade, o que torna todos os argumentos que citam o propósito aparente na estrutura sexual em si irrelevantes para todas as questões morais. Se existe algo que diverge do propósito de uma dada característica da natureza humana, ou o suposto propósito é na verdade uma vontade do indivíduo que afirma que ele existe, ou o propósito é mais amplo do que o indivíduo gostaria que fosse. Em todo caso, nas questões morais e políticas, os argumentos que utilizam a natureza humana como base são uma forma dogmática de se afirmar desejos particulares -- uma hipocrisia bastante comum nas ciências sociais e na filosofia.

Essa forma de argumento também é vaga e pouco convincente fora das discussões morais e políticas. Por exemplo, quando tentamos examinar e avaliar um comportamento inesperado ou que não provocamos, tendemos a observar antes as consequências da ação e depois o processo, para assim fazer um juízo sobre a origem. Se trata de um processo de inferência, no qual utilizamos algumas informações fatuais disponíveis para elaborar uma explicação plausível para o ato observado. Porém, pensadores que se focam demais em uma parte da base fisiológica que possibilita a vida costumam tratar essa inferência como se fosse uma dedução, ou seja, como se o conhecimento das partes básicas fosse o suficiente determinar o resultado final ou a natureza do processo, como se a organização lógica e matemática das teorias que tratam de entes como células e proteínas fosse constituinte da própria essência do mundo, e não simplesmente um hábito de pensamento.Além disso, análises de comportamento tendem a associar a cada ação um objetivo ou necessidade, o que é uma pressuposição de todo falsa. Se uma ação pode ter mais de uma consequência positiva e todos nós observamos isso com muita facilidade, então uma ação também pode ter mais de uma causa ou motivação, e pode ter inclusive ter como origem uma cadeia de conteúdos subjetivos muito mais complexa que o aspecto do comportamento que observamos. Imagine uma pessoa que não respeita uma fila. Essa pessoa pode estar resolvendo seus piores conflitos mentais, pode estar tendo o melhor dia de sua vida, pode estar a caminho de cometer suicídio, pode nem ter percebido que havia uma fila, mas o comportamento que você observa é o ato de ignorar a fila, e você interpreta isso como um exemplo de egoísmo, por causa do seu interesse imediato de chegar ao fim da fila. Ou então, uma vez que você conhece mais sobre a pessoa, você excluí a motivação simples de chegar ao fim da fila sem esperar, como se uma pessoa não pudesse querer ignorar a fila e achar isso imoral e estar distraída e estar decidida e assim por diante. Nas operações mais simples de lógica com as quais nos habituamos, e que acumulamos para formar as proposições científicas que são complexas principalmente neste sentido, proposições contraditórias são mutuamente exclusivas. Na subjetividade humana, porém, essa regra é usada apenas quando é conveniente. Se dermos razão à psicanálise, a subjetividade em em si é apoiada em uma base de contradições. Quando examinamos as coisas e os seres com nosso mecanicismo ingênuo e nossa noção liberal de racionalidade, uma complexidade de causas e efeitos --que talvez nem possam ser concebidos dessa forma -- é reduzida por um enviesamento mesquinho, com interesse de se preservar uma zona de conforto.

Todo pensador, artista ou cientista, sabe ( ou é forçado a fingir ) que o conhecimento envolve a desconstrução de certos interesses que bloqueiam ou direcionam algumas ideias. Entretanto, nossa cultura de especialistas favorece que proposições mesquinhas e ingênuas sejam declaradas com arrogância e espetáculo, que textos afirmando " eu provei que a liberdade não existe ! " sejam publicados e cultuados por indivíduos que sequer conhecem noções elementares de metafísica. O mais interessante é que esses discursos geralmente são apresentados em uma forma que anula qualquer consequência que tais proposições poderiam ter. Ainda no exemplo da liberdade ou do livre-arbítrio, artigos que afirmam a partir de experimentos tão conclusivos para a questão quanto observar aquela pessoa ignorando a fila que não pode existir liberdade costumam também reconhecer que a " ilusão " de liberdade existe e tem influência em nossas ações. A mensagem de tais publicações é algo como " A liberdade não existe, mas nós vivemos sob a ilusão de que ela existe ! ". Se a noção de liberdade tem influência sobre ações e a sensação de escolha sempre ocorre em nossos pensamentos, o que exatamente significa " ilusão " nesse contexto ? A miragem que um viajante no deserto tem de estar vendo uma fonte de água à distância não o levaria a conseguir realmente água, então poderíamos chamar a miragem de " uma ilusão ", como um aviso. No caso da noção de livre-arbítrio ou da sensação de escolha, porém, se trata de algo que motiva ações efetivas sobre a realidade e, segundo muitos desses artigos, de algo que é uma impressão permanente da mente humana. Nesse sentido as cores também são ilusões, e também todas as demais impressões do mundo externo, dadas em sensações e ideias, e não como as coisas em si mesmas. Tudo que experimentamos são ilusões, nessa definição. O que definiria, então, o conceito de " realidade ", que é pressuposto nesses discursos e que deveria ser de alguma maneira oposto ao de " ilusão " ? Qual é o propósito em se fazer essa distinção nessa forma ? Aparentemente, apenas o espetáculo --afirmar " a liberdade é uma ilusão " é mais forte que afirmar " em um experimento realizado com algumas pessoas, observamos tendências muito claras no tempo de reação dos voluntários em algumas tarefas simples e binárias. "

A noção de " natureza humana ", por si mesma, obscurece uma série de questões e provavelmente é a razão pela qual muitos dos debates morais e políticos acabam se tornando disputas entre evolucionistas e criacionistas, afinal se tratam dos dois sistemas mais populares de interpretação da origem, natureza e finalidade da existência. Um caso bastante ilustrativo é o da discussão acerca da natureza da homossexualidade -- se é uma característica ou uma escolha, se é um problema ou não, etc. O argumento cristão mais comum para definir a homossexualidade como um distúrbio é " Deus fez homem e mulher e o sexo é feito para a reprodução, então aqueles que escolhema homossexualidade estão mal orientados ". Muitos tentaram argumentar contra essa posição tentando provar que a homossexualidade não é uma escolha, como se isso fosse relevante para a questão. Como estabelecemos antes, a finalidade intrínseca da sexualidade ( se existe ) é ou ampla o bastante para que a homossexualidade seja possível, ou é de todo irrelevante diante daquilo que podemos fazer com a base fisiológica, com a criação de Deus -- a questão moral acerca da homossexualidade ( se existe ) está na discussão sobre suas consequências para a sociedade e sobre o que significa, em termos de princípios, que a sociedade não interfira contra as relações homossexuais. Toda discussão moral em torno de sua origem, sobre como o " gene gay " foi transmitido de geração em geração, sobre a orientação sexual ser ou não uma escolha, toda essa discussão é um embaraço retórico causado pelo fato de que pessoas frequentemente tentam ignorar as particularidades de cada sujeito e naturalizar generalizações tolas com falácias. As éticas orbita em torno da questão " o que podemos fazer e porquê o faríamos ? " e não em torno de palpites sobre o propósito intrínseco das coisas.

Sendo um conjunto de conhecimentos e de interpretações sobre como as coisas são, e não sobre como as coisas devem ser, a teoria da evolução ( e a ciência em geral ) nos ajuda a descobrir novas possibilidades na tecnologia, na medicina, enfim, possibilidades que quando descobertas podem resultar em novas artes, em transformações na cultura, em novos debates. Imagine, por exemplo, que um dia nossa ciência pode se tornar avançada o suficiente para impedir a maioria dos tipos de morte e envelhecimento. Isso seria em diversos sentidos uma verdadeira revolução, mas as descobertas científicas por si mesmas não resolveriam os eventuais dilemas éticos em torno dessas possibilidades. A teoria da evolução também pode ser usada como inspiração ( metafórica ) para a busca por ideias superiores, por uma sociedade mais evoluída que a nossa, para outras formas de evolução além de acidentes genéticos convenientes. Para além disso, porém, a teoria da evolução sempre serve como um discurso apenas aparentemente científico que comunica realmente valores arbitrários. Os debates acerca da questões de gênero são amplamente contaminados com afirmações como " as fêmeas são geneticamente programadas para... ", como se uma mulher com uma subjetividade e uma história fosse redutível a uma fêmea, no sentido genérico e estritamente fisiológico. Os debates acerca das questões econômicas são permeados por afirmações do " darwinismo social ", um acúmulo de usos amadores da teoria da evolução e do discurso científico de uma forma geral.

Esses erros existem e persistem porque nós tratamos a ciência como a autoridade máxima no campo intelectual, como se a ciência fosse o único caminho sério para investigar e interpretar a realidade, como se a ciência fosse pertinente em todas as ocasiões concebíveis. " Isso não é científico " é uma forma comum de se desmerecer ( falaciosamente ) algum argumento, como se o tipo específico de investigação que entendemos por ciência encerrasse em si todos os tipos possíveis de questões relevantes, como se uma de nossas ferramentas fosse pertinente em absolutamente qualquer caso. " Ciência " se tornou um título de autoridade , sinônimo de " saber com certeza " , o que é bastante irônico de várias formas.

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Notas :

*1: Algumas afirmações de especialistas populares na mídia chegam a cometer erros conceituais de biologia. Afirmações lamarquistas são extremamente abundantes em diversos espaços e contaminam quase completamente o senso comum (e.g http://www.vanityfair.com/culture/2007/01/hitchens200701 ). Isso não apenas é um uso inadequado da biologia, mas também um uso incorreto. A proposição de que as espécies ativamente selecionam características superiores como força física ou inteligência é ultrapassada. Características diferentes ou em graus diferentes surgem nas espécies por combinações genéticas com resultados finais parcialmente aleatórios. Indivíduos nascem com algumas mudanças em comparação com seus progenitores e o material genético que codifica essas mudanças é transferido para uma próxima geração se o indivíduo se reproduz, o que não implica que a característica é conveniente para o habitat em questão, embora isso seja mais provável que sim. Supondo que é verdade que homens não são atraídos por mulheres engraçadas, isso de maneira nenhuma significaria que a evolução removeria das mulheres a capacidade para o humor, ou que o humor não poderia existir por questões culturais e psicológicas. Uma característica apenas é determinada a desaparecer na seleção natural se ela de alguma maneira impede que a reprodução aconteça. De resto, os resultados são em grande parte aleatórios, com uma tendência para que características que facilitam a reprodução sejam transmitidas melhor.

*2: É interessante observar que mesmo nos mitos ( ou narrativas, como queira ) das religiões, muito pouco é dito sobre o propósito da existência como um todo. As religiões que assumem a figura de Deus afirmam que ele tem algum plano, mas não qual é esse plano. Nas religiões hindus, a mônada vital, ou a energia absoluta simplesmente existe, e podemos conduzir nossas existências particulares a um retorno ao estado primordial, mas o que se seguiria disso não é dito. As religiões pagãs nunca afirmaram nenhum propósito geral, e mesmo seus deuses são figuras com existências particulares. De todo modo, o conhecimento de que a finalidade das coisas não nos concerne e não interfere nos nossos afazeres parece ser bastante antigo.