domingo, 28 de dezembro de 2014

Sobre o Amor

Ah, o amor!
...Mas que amor?

"Amor" é uma daquelas palavras que mostram os limites da linguagem. Também mostra
que somos bastante desorganizados, de maneira geral. Essa mesma palavra é usada, sem
distinções adicionais, para muitas coisas diferentes em contextos incomparáveis.
Falamos no amor de um casal, falamos no amor em uma família, falamos no amor pela
humanidade, falamos no amor pelos animais, usamos a palavra às vezes como eufemismo,
às vezes como analogia. O rigor no uso do termo é bem pequeno.

Quem sabe? Talvez o amor em si seja uma daquelas partes místicas da existência para as quais
nunca daremos explicação definitiva e, ao mesmo tempo, nunca deixaremos de pensar sobre.
Isso não significa que falar nisso é inútil. As palavras que escolhemos nesses casos definem nossas
expectativas e orientam nossa percepção da realidade.
Bem, então, o que podemos observar sobre o amor?

Podemos observar que o amor estabelece prioridades em nossas vidas. As pessoas e até as coisas
que dizemos amar tomam um papel central na nossa percepção que ofusca as pessoas e coisas
que não amamos, exceto aquelas que odiamos. O amor estabelece relações que não são redutíveis a
termos econômicos, biológicos, psicológicos, etc. De fato, o amor frequentemente parece irracional,
irrazoável, ininteligível. Aqueles que se declaram afetados pelo amor frequentemente reagem
a partir de eventos que, para um observador externo, nunca deveriam ter causado tais reações.

O mesmo pode ser dito sobre o ódio. É curioso que praticamente tudo o que penso sobre o amor
pode também ser referido ao ódio. A principal diferença está na valoração, ou seja, que
preferimos o amor e o chamamos de bom, enquanto no ódio temos o caso contrário.
Isso parece mostrar que existem pelo menos dois objetos do mesmo gênero, como se alguma
característica da humanidade nos permitisse experimentar uma certa espécie de estado que pode
variar na forma. Não é surpreendente que amor e ódio caminhem tão próximos!

Hoje em dia é mesmo necessário mostrar que sentimentos existem, para depois continuar.
No nosso mundo desencantado, a interpretação de que somos cem por cento egoístas, a interpretação de que sensações aparentemente profundas e até místicas são redutíveis a explicações materiais e a interpretação de que as sensações do espírito nascem todas da ignorância resultam em uma aversão imediata à discussão de conceitos como o do amor. Não é surpresa que o amor sexual seja o único realmente percebido pela maioria das pessoas.

Por que? Isso porque o amor sexual é construído da seguinte forma. O amor, que podemos
chamar de anseio pelo espírito, é unido ao desejo, ao anseio pelo corpo. A ordem dos fatores não altera o resultado, porque se trata de uma multiplicação. Uma vez feita a associação, uma vez que
alguém encontra uma pessoa que pode amar e também desejar, temos uma relação na qual o desejo
aumenta o amor e o amor aumenta o desejo. A percepção de um instiga ao outro. Assim
se obtém um amor, algo essencialmente intelectualizado e próximo de ser harmônico, sob
forma de paixão, algo mais natural ao desejo, que é por essência corporal e volátil.

É relevante mencionar que nesta sociedade a monogamia é tida como o caminho moral mais
apropriado para a sexualidade. Dessa forma, o encontro entre o amor e o desejo é frequentemente
forçado. Muitos chegam a até a recusar qualquer desejo que não acompanhe o amor e, infelizmente,
muitos recusam qualquer amor que não acompanhe o desejo, não por coincidência.  

Aí está a resposta da pergunta "Por que o amor sexual é claramente percebido?".
O desejo pelo prazer físico tem bases biológicas e, portanto, basta ter um corpo para senti-lo.
Muitas coisas podem ser cultivadas ou eliminadas em nossa existência, como o amor. Mas o
desejo não pode ser eliminado. Pode ser reprimido, coberto de concreto, mas quando examinamos
a nós mesmos mais de perto, lá está a erva daninha!
Assim, mesmo as pessoas que são intelectualmente e espiritalmente medíocres são capazes de continuar experimentado o amor sexual, mesmo depois de terem perdido a capacidade de apreciar a arte, a filosofia, a ciência, a fé, a virtude, enfim, o espírito.
Resta até no mais macaco dos homens um pouco de luz, e os medíocres buscam
no imediatamente presente, a única parte da existência que eles admitem, o espiritual.

É fácil notar que muitos dos que buscam desesperadamente um relacionamento sexual não estão incomodados com a falta de prazer físico, porque isto poderia ser solucionado com um arranjo
mais prático que algo como um namoro. Sofrem com a solidão, com a falta de carinho, de respeito,
de confiança e confidência em suas vidas. Existem hoje duas condições para que um sentimento
profundo apareça em alguém. O benefício de sentir deve ser imediatamente aparente e a moralidade
da sociedade deve forçar a perpetuação da relação com algum laço de compromisso. Por isso
os medíocres sabem se apaixonar e amar suas famílias, mas não sabem  ter amizades profundas,
nem amar a humanidade e suas obras, nem amar ao restante da natureza

Você já se perguntou por quê os grandes gênios da humanidade muito raramente tiveram uma
sexualidade comum, de acordo com a convenção de suas épocas? Sim, uns foram castos, outros
boêmios, outros tiveram relacionamentos estáveis, mas aqueles que se casaram e viveram com suas
companheiras em tudo de acordo com a convenção cristã são a mísera minoria entre os maiores criadores da humanidade. Isso é porque relacionamentos amorosos segundo essa convenção são a ferramenta principal dos medíocres para aceitar a vida, e os gênios têm uma repulsa natural pelas escolhas dos covardes, mesmo que não exista nada intrinsecamente mau em tais escolhas, como
no caso. É uma questão de estilo.

A redução do Amor ao amor sexual é, como as reduções em geral, um reflexo da covardia,
e é típico dos covardes atacar a imagem daqueles que carregam a verdade a ser enterrada.
Muitos homens e mulheres são medrosos e confusos a ponto de não afirmarem a si mesmos
como artistas, pensadores, santos, ou quaisquer que sejam suas aspirações do espírito.
A sociedade os feriu mortalmente no espírito, e eles nunca conseguem a coragem para
medicar essas feridas e recusar as regras e orientações que lhes são nocivas. Esses são
os medíocres. Ninguém é por essência ou fisicamente medíocre, isso acontece quando
a sociedade sufoca o potencial de seus membros e o indivíduo não é capaz de enfrentá-la.

Assim eles vivem em função desse amor da monogamia, buscando alguém que os defenderá
apaixonadamente, porque eles não defendem a si mesmos. Procuram que cuide deles, porque
eles não se cuidam. Procuram quem minta para eles, alguém para complicar a existência
que eles simplificaram com suas reduções cretinas. Como são tristes.

Em uma sociedade sem covardes, a sexualidade não precisaria ser acompanhada por dogmas morais.
Ela seria regulada pela arte, e assim cada um seria mais livre para se satisfazer e
se expressar sem reduzir sua existência a isto, pelo menos não involuntariamente,
O desejo não precisaria nunca ser camuflado com inúmeras desculpas e eufemismos. o amor
não pareceria idêntico ao desejo, os relacionamentos não seriam meios para fugir de problemas
de outros tipos, o mundo não estaria coberto de hipócritas monogâmicos na luz do dia e
poligâmicos sob a proteção da noite,

Se eu vejo a monogamia como um mal? De forma alguma! Não nesta sociedade, pelo menos.
Sim, atualmente ela é o único meio que a maioria encontra para sentir que existe uma alma,
e isto é danoso para a sociedade em geral, para a saúde psicológica do grande número, isto
é danoso para a sexualidade e até para o amor sexual convencionado, porque poucos são
verdadeiramente dotados das características necessárias para a monogamia, mas quase todos
cedem aos dogmas da sociedade. Bem, pelo menos ainda nos resta isto!

Às vezes eu penso que a disposição para esse tipo de amor é a última fortaleza do espírito
dos fracos, porque se recusassem o amor que tem por seus companheiros ou pretendentes,
se o seus corpos não os compelissem a prestar atenção em outros seres humanos, esses niilistas
não encontrariam  motivo nenhum para ter algum cuidado artístico com suas vidas.

Mas quem almeja pela profunda afirmação da vida, pelo amor, pela inteligência e pelo poder
terá que encontrar em si a coragem para repelir o inimigo e tomar o território perdido.
Esta resistência amedrontada é bastante patética e a cada dia se enfraquece.  

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