sábado, 4 de abril de 2015

Karma

Você provavelmente já ouviu falar em Karma, como um princípio de ação e reação envolvendo nossas ações e intenções. Na interpretação mais comum desse conceito, ele significa algo como" ações boas terão um retorno positivo, e ações más terão um retorno negativo", algo bem próximo da noção de justiça divina, sustentada por muitos cristãos.

Essa é uma interpretação válida, mas não creio que ela seja nem a mais adequada nem a mais proveitosa. Primeiramente porque é falso que agir com maldade resulta sempre em punições, e também é falso o inverso. Se uma sociedade está organizada de maneira corrupta, ela irá em todos os aspectos recompensar justamente seus corruptores. Uma sociedade de mercenários recompensa os que lucram sem escrúpulos, uma sociedade de hipócritas recompensa os mentirosos, e assim por diante. Igualmente, em uma sociedade de mercenários aqueles que recusam o lucro indigno são motivo de riso, e em uma sociedade de hipócritas os indivíduos sinceros são odiados.

Existem algumas particularidades importantes na filosofia budista em comparação com as ideias mais comuns sobre a natureza humana no ocidente, Na filosofia budista não existe um "eu" separado de nossas ações no mundo, o que significa que nós somos aquilo que fazemos. Além disso, não existe separação entre pensamento e ação. Pensar também é agir. As consequências dessas ideias simples são muito interessantes. Nós não causamos nada no ambiente ao nosso redor sem causarmos antes algo semelhante em nós mesmos. Se conto uma mentira, afasto de mim mesmo a verdade antes de fazê-lo com qualquer outro indivíduo, eu enfraqueço e manipulo a mim mesmo por gastar energia formulando uma falsidade e por preservar em mim o hábito da covardia.

Com esses pressupostos em mente você pode entender minha proposta sobre o significado de Karma. O Karma significa que praticar ações( isto inclui pensar, lembre-se) de um certo tipo nos leva a praticar mais ações da mesma natureza. Se procuro praticar atos de generosidade, a tendencia é que eu pense nisso com cada vez mais facilidade, frequência e foco, e que eu esteja cada vez mais cercado de situações nas quais minha generosidade é útil ou até esperada por outros. Isso não significa que "Deus me pagará em dobro", como costuma-se dizer. Pelo contrário. Toda virtude tem seu custo. A beleza de se praticar uma ação virtuosa está no cultivo da virtude, não em uma de troca interesseira. De fato, aqueles que sempre priorizam as recompensas imediatas e particulares raramente desenvolvem virtudes, e nunca o fazem de maneira profunda e duradoura. Afinal, quando agimos com egoísmo afastamos de nós os generosos, porque nossos pensamentos e intenções são mais aparentes do que gostaríamos de imaginar.

Essas ideias me agradam. Acredito que nós gostamos de superestimar nossa capacidade de ocultar, como se nós tivéssemos um santuário interno imaculado por nossas ações e palavras maldosas e tolas. A forma como nós separamos sujeito e meio externo favorece a ignorância e a preguiça porque corta pela metade processos de causa e efeito que deveriam ser observados de maneira ampla. A ideia de Karma, do poder das ações sobre as futuras ações, favorece que um indivíduo cultive artisticamente em si o que deseja vivenciar no mundo, o que é a verdadeira base da virtude.

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