sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Mistificação do inconsciente

A amplamente aceita tese de que parte de nossos pensamentos não é consciente é
quase sempre atribuída a Freud, mas essa ideia faz sentido de várias outras perspectivas
além da psicanalítica.

Se nossa mente depende de um corpo mas é diferente desse corpo, deve haver uma intersecção
entre essas duas partes de nós. Por um lado, as ideias abstratas  da consciência que são capazes
de despertar afetos por elas mesmas, por outro as informações corporais sedimentadas no nível
mais básico da atividade mental, que não participa de processos mais elaborados de abstração
como a consciência.

Muitas descobertas interessantes são feitas a partir dessa tese, mas também algumas confusões.
Quem admite que existe inconsciente e que "Deus está morto" geralmente imagina que nossa
parte consciente é a menos valiosa. Isso porque nesse ponto de vista a razão é apenas uma forma
de manipular o mundo, enquanto o verdadeiro conteúdo é o concreto, irracional, inconsciente.

Essa ideia começa a ficar suspeita quando consideramos que o material toma o papel
antes atribuído ao espiritual. O inconsciente passa a ser tratado como essência, aquilo
que nos liberta quando é atingido. Mas o desprezo pela ideia de Deus e da razão não
deveria eliminar completamente esse modelo de espiritualidade, de busca pela essência
oculta? Não deveria haver essência oculta!

Aparentemente quando desistimos da libertação da razão, depositamos toda nossa
expectativa espiritual no inconsciente, nós encontramos algo mais que carrega mistérios
e criamos fantasias com o potencial dessa tese.

Nós não temos nenhum motivo sério para pensar que o inconsciente é tão melhor
que o consciente. " Mas quando eu liberto meus sentimentos..."  isso é consciente.
O que te faz pensar que tem mais desses sentimentos bons que você às vezes precisa 
reprimir na terra de ninguém entre o corpo e razão?

A tese de quem pensa dessa forma parece ser que nós fugimos de nós mesmos com
o consciente porque o inconsciente é perturbador. Mas, como poderia, se nunca foi
nem será consciente? Quando falamos do que não sabemos nós expressamos desejos
ou decisões. Talvez o consciente seja assustador, difícil de enfrentar.

Afinal, nossos desejos conscientes frequentemente clamam por mudanças difíceis,
por disciplina, por coragem. Reduzir a vida às sensações e à imaginação livre me
parece uma fuga da pior espécie.          

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