O estudo e a sabedoria costumam ser associados como se existisse uma proporção incondicionalmente positiva entre os dois. Na mentalidade mais comum, e que está no alicerce da grande maioria de nossas instituições de ensino e pesquisa, o estudo traz apenas benefícios para o desenvolvimento intelectual de um indivíduo. Entretanto, existe um elemento supersticioso nessa mentalidade aparentemente simples e intuitiva. O estudo ocupa tempo e memória, usa recursos, cria hábitos e dependências pragmáticas, o estudo (em particular o acadêmico) determina o indivíduo em diversos aspectos, abrindo determinadas possibilidades enquanto fecha outras. Um especialista sacrifica seu olhar ingênuo, abrangente e intuitivo para obter um olhar rigoroso, experiente, específico. O tempo investido na absorção de informações e em procedimentos rigorosos não é investido na criatividade, que não surge ou se desenvolve espontaneamente com a experiência -- a capacidade de formular e propor envolve toda uma série de desenvolvimentos psicológicos e existenciais. A criatividade depende de aspectos íntimos de cada um que não surgem pela pressão de regras e avaliações, mas de um "rigor" mais profundo e espontâneo. Considerando que o tempo de vida de um indivíduo é limitado, a dedicação ao estudo e a dedicação à criação devem ser balanceadas racionalmente, de acordo com os objetivos finais de cada um na vida intelectual. A tendência atualmente é que um indivíduo simplesmente aceite o perfil de "formação" desenhado por uma instituição e aplicado por seus encarregados sem raciocinar muito sobre o assunto, inclusive porque tal perfil geralmente acompanha uma série de valores, frequentemente irrefletidos, que permeiam o meio escolar e o acadêmico. Seja por "humildade" ou por almejarem a "excelência", muitos indivíduos não refletem filosoficamente sobre suas metas na vida intelectual enquanto ainda estão no começo de uma "formação". Uma vez que se investe durante vários anos em uma carreira e em um tipo de mentalidade, isso deixa de ser uma escolha.
Considero que as vantagens e virtudes associadas ao estudo são excessivamente elogiadas. É muito comum, especialmente no meio acadêmico, a crença de que quanto maior for a soma de referências conhecidas por um indivíduo, maior é seu valor como intelectual -- independentemente do que o sujeito de fato faz ou não faz na prática com os conteúdos que absorveu. Enquanto isso os aspectos da vida intelectual relacionados à criatividade, como a coragem de se desenvolver explicações sob a própria responsabilidade e a capacidade de se recombinar e subverter elementos de teorias existentes para que novos problemas possam ser abordados, aspectos como esses são deixados ao acaso em nossas instituições, como um conjunto de milagres que aparecem apenas pela graça divina em alguns iluminados, como se tais aspectos da vida intelectual não fossem cultiváveis (ou passíveis de repressão) nos processos de formação básica e superior. Nas poucas ocasiões nas quais a originalidade é considerada como parte de uma avaliação, isso acaba tendo um efeito negativo. O fator criatividade ou originalidade é cobrado sem um processo de experimentos que prepara o aluno ou aluna para isso. É evidente que alguém que na grande maioria de sua educação se prepara apenas para decorar, reproduzir e devolver não vai produzir nada interessante em um momento repentino e sob pressão no qual a criatividade é exigida em um trabalho. A maior parte de nossa educação é um processo de correção e castração do intelecto, e no meio desse processo alguns autodeclarados libertários nos criticam pela mediocridade e pela hesitação que são forçadas no resto do tempo. Existe um ponto no qual a cobrança de conteúdos (ou mesmo a admiração aos que colecionam uma soma de conhecimentos) se torna simplesmente uma seleção que recompensa a mediocridade e a normalidade, um sistema de reforço negativo que não deixa espaço para a criatividade, ou mesmo para a "inovação", que surge com tanta frequência em documentos e discursos sobre a educação.
Chegamos tão facilmente a esse ponto porque ainda glorificamos o estudo e o acúmulo de informações como absolutamente bons e sem custos. A crítica da educação "conteudista" é simplesmente um senso comum agora. As insuficiências e contradições que permanecem na prática da educação são um sinal de que a crítica deve ir além, de que existem ainda muitos preconceitos a serem destruídos -- e de que alguns aparentemente superados ainda persistem. Sendo assim, me focarei em expor as desvantagens do estudo. Não negligencio que os benefícios do estudo existem, independentes dos exageros e superstições comuns. A baixa qualidade daquilo que costuma ser celebrado como "excelente"(leia-se: bem adequado) no meio acadêmico não se deve apenas ao insuficiente incentivo da criatividade, mas também ao peso que as normas impostas sobre as pesquisas e comunicações exercem justamente contra alguns estudos mais profundos e rigorosos que os medianos. É através do estudo que buscamos os elementos particulares que são recombinados na criação de obras originais -- que são "criadas" e "originais" nesse sentido bem específico, de existirem com um propósito atualizado pelo indivíduo que as elabora, de serem obras que partem de algum anseio profundo, e não simplesmente da repetição mecânica de padrões institucionais ou culturais. As teorias científicas que lidam com o mundo melhor que as anteriores são modelos elaborados e atualizados que combinam aspectos dos anteriores com o acréscimo de possibilidades teóricas que já existiam antes, mas que não eram reconhecidas ou consideradas viáveis. Existe nisso um elemento de criatividade, mas é evidente que ninguém poderia construir um novo modelo para explicar o mundo sem estudar as informações e teorias já disponíveis. Ninguém que buscaria criar uma obra original tentaria fazê-lo ignorando as já existentes -- o interesse do criador também o motiva a estudar. Entretanto, observo que não estamos passando por nenhuma escassez de estudiosos, citadores e comentadores. A erudição costuma ser pensada como se fosse o caminho seguro para a sabedoria, o ideal de formação intelectual que apenas o ambiente acadêmico pode concretizar. Iniciemos então com algumas considerações sobre a erudição.
Primeiramente, devemos notar que a erudição, o nível elevado de estudo em diversos campos, não existe apenas na forma de uma formação acadêmica. Isso é importante porque em diversas discussões nas quais as instituições de ensino superior são em algum sentido questionadas, frequentemente surge o discurso de que a recusa dos moldes acadêmicos necessariamente é uma recusa da erudição e do espírito científico como um todo, uma apologia da originalidade sem base. A erudição muitas vezes é considerada como se fosse uma qualidade intrinsecamente acadêmica, quando realmente o meio acadêmico favorece a formação de especialistas, e o tipo de estudo que aprofunda a especialização. Nas universidades, qualquer um que se compromete com a carreira acadêmica tem a constante necessidade de provar sua competência (andamento dos estudos). Disso resulta que seus estudos são feitos a partir daquilo que pode ser formalizado e exibido com frequência e facilidade. Quando um aluno de graduação propõe para si um projeto de pesquisa ambicioso, ele logo é corrigido por um superior. Qualquer indivíduo experiente sabe que um projeto precisa ser muito simples e focado para ser formalizável nos moldes acadêmicos sem uma quantidade exorbitante de trabalho (com formalismos). Especialistas não se aventuram, nem no processo de formação, nem depois. Por outro lado, um indivíduo que estuda não tanto para ser validado por algum público quanto para explorar as possibilidades intelectuais e práticas da humanidade não carrega essa tarefa. O erudito independente pode mudar sua linha de pesquisa no instante em que sua vontade de conhecer muda de direção, pode estudar referências que não são famosas ou que tem má fama, pode adotar o ritmo que corresponde à sua capacidade de assimilação, não precisando se preocupar com sua capacidade de produção. Aqueles que estudam por pura vontade são livres em suas pesquisas, enquanto os acadêmicos estudam sob um sistema de recompensas e punições nas universidades. Os benefícios financeiros e práticos que uma universidade oferece acompanham uma série de compromissos formulados pelas demandas, propósitos e crenças daqueles que regulam a instituição. O comprometimento com uma instituição é diferente da finalidade que se busca através de tal vínculo. Em geral, alguém deve buscar a correção institucional se não acredita em sua própria disciplina ou capacidade. Os resultados excelentes tipicamente são obtidos sem a correção e sem o apoio de qualquer sistema de regras que alivie o peso da responsabilidade de cada um sobre si.
O conhecimento de diversas obras e artes clássicas certamente favorece a abertura de diversas possibilidades intelectuais -- mas até que ponto? Somos seres finitos com mentes finitas, com capacidades de armazenamento e aplicação limitadas. Um semideus poderia facilmente estudar todo o legado do conhecimento construído em milênios de história humana e ainda criar a partir disso mais dez milênios de obras originais. Um ser humano, porém, é limitado no tempo e no espaço. Em uma vida inteira estudando (sendo otimista, digamos 95 anos de vida com estudos desde os seis), um indivíduo não conseguiria apreender um décimo de tudo que "precisa" saber. Tal sujeito morreria sem terminar sua seleção de leituras "imprescindíveis", e nunca teria acesso a muitas outras referências que consideraria como elementos básicos de sua "formação" se pudesse ter a mais vaga noção da existência de tais obras. Isso não é um fato contemporâneo -- essa limitação se aplicava também a Platão, e também a dez gerações antes dele. A estipulação daquilo que é fundamental para que um indivíduo possa "estar formado" é arbitraria, primeiramente porque indivíduos diferentes se decidem por objetivos diferentes, o que significa que o conjunto de referências, experimentos e exercícios necessários para uma "formação" variam muito de indivíduo para indivíduo. Além disso, os conjuntos de "conteúdos fundamentais" não são formulados em um processo rigoroso de pesquisas e experiências, mas simplesmente pelo imaginário de alguns especialistas e pela repetição dos padrões já observáveis no meio acadêmico. O objetivo de se dar conta de um conjunto específico de conteúdos antes de que o indivíduo se atreva a experimentar e criar é ou frívolo ou impossível. A necessidade de garantia dos resultados nas pesquisas intelectuais é uma ficção acadêmica, um erro grosseiro em um universo no qual eu não sei se vou estar vivo para digitar mais uma frase ou se você estará vivo(a) para terminar este parágrafo. No fim das contas, se um indivíduo deseja alguma mudança intelectual ou mesmo cultural em um sentido amplo, é melhor que esse sujeito se arrisque, que faça algo mesmo que imperfeito, mesmo que injusto, mesmo que não precisamente embasado. É notável que grandes eruditos como Nietzsche e Schopenhauer ativamente ignoravam diversas referências e não tratavam os autores que estudavam com nenhuma espécie de preciosismo, enquanto é muito popular entre os eruditos e especialistas acadêmicos a ideia de que a obra de um autor precisa ser conhecida em seu conjunto antes que possa ser criticada, como se a possibilidade de erro ou injustiça implicasse em desonestidade intelectual.
A propósito, a intolerância ao erro é um dos elementos que levam ao estudo compulsivo dos mesmos temas, referências -- até das mesmas proposições. As pesquisas acadêmicas, mesmo antes de começarem, são corrigidas uma dúzia de vezes até que a possibilidade da pesquisa não chegar ao seu resultado esperado seja eliminada. Isso ocorre sob diversas formas; em algumas áreas, um "recorte" é feito até que um texto com interpretações perfeitamente seguras diante de suas referências bibliográficas seja viável, enquanto em outras a pesquisa é aprovada quando examina algo que certamente será verificável, algo cuja a existência e os meios de verificação já são bem estabelecidos, e existem ainda outras nas quais a busca por dados é permitida em assuntos nos quais já existem dados de diversas outras fontes sobre o assunto da pesquisa. O que se observa em qualquer um desses casos é que a correção de uma pesquisa, desde seu projeto, sempre busca garantir que ela terá os resultados previstos. Em muitos casos é considerado válido que uma pesquisa chegue à conclusão de que sua hipótese inicial era incorreta, mas nunca é considerado válido que uma pesquisa conduza à conclusão de que pesquisar foi inválido -- a conclusão de que a própria questão foi um fracasso nunca aparece nos resultados acadêmicos. Isso tudo deve lhe parecer muito natural, mas observe o seguinte: para que uma pesquisa tenha qualquer possibilidade de descobrir algo, tal pesquisa precisa para tanto ter também a possibilidade de não descobrir absolutamente nada. Sem essa condição, a pesquisa não está realmente aberta o suficiente para expandir o repertório de informações da academia. Uma pesquisa, na medida em que é garantida desde o início, não é uma pesquisa, mas apenas um estudo pessoal. Quando se faz uma "pesquisa" com uma base segura em um conjunto fechado e bem estabelecido de referências, o resultado da pesquisa já era esperado de início. Nada foi acrescentado ao conjunto de conhecimentos das universidades, mas apenas ao conjunto de conhecimentos do indivíduo em particular que fez a "pesquisa", realmente o estudo através do qual o sujeito obteve instrução naquilo que já era conhecido de um ponto de vista coletivo. Entendo que durante uma graduação esse seja o procedimento adequado, embora a nomenclatura "pesquisa" seja aqui incorreta. Entretanto, o mesmo padrão se mantém amplamente presente em pesquisas conduzidas por doutores, que ativamente se declaram pesquisadores. Se mascara em toda parte a possibilidade do erro como se toda carreira acadêmica progredisse linearmente, sem nunca retroceder ou perder absolutamente sua direção. A maioria dos especialistas acadêmicos recicla e recicla os mesmos conjuntos de referências por uma questão de segurança, uma segurança que evita o erro evitando também o desconhecido -- e também a originalidade, a utilidade pública, a honestidade intelectual, etc...
O erro, e até a ingenuidade são bastante saudáveis para aqueles que tem uma curiosidade sincera por um assunto. Esses, quando não encontram no já estabelecido respostas satisfatórias, logo se empenham na formulação de suas próprias. Esse processo, simultaneamente de estudo e de criação, certamente passará por muitos fracassos, muitas etapas imperfeitas, muitas contribuições nada originais, um trajeto do qual um observador nunca imaginaria que uma obra magnífica poderia ser o resultado. A comparação entre os resultados atuais de quem está vivo, em construção, e as obras dos clássicos é injusta e inutilmente desestimulante -- principalmente porque os clássicos já se desenvolveram ao longo de suas vidas e já passaram tanto pelo período de aperfeiçoamento de suas obras quanto pelo longo período de reconhecimento por parte da tradição, que costuma ser póstumo. Os momentos nos quais um estudante descobre que uma ideia sua que julgava ser original existe no texto de algum autor consagrado em uma forma muito mais perfeita são realmente tristes desencontros, porque tal conhecimento no fim das contas tende apenas a uma decepção, em nada produtiva. Realmente seria melhor até mesmo para a filologia se mais estudiosos se aventurassem em muitas ideias e obras próprias antes de seguirem para a especialização nas obras alheias, mesmo que tais esforços não produzissem nada de valioso ou original. Acontece que as grandes obras são apreciadas melhor por indivíduos que experimentaram semelhantes caminhos e ideias por conta própria, porque assim o sujeito entende as reflexões da obra em um nível mais profundo, mais íntimo, no nível de alguém que se defrontou também com tais questões, que aprecia realmente o peso das críticas, experiências e proposições da obra. O gosto adquirido por pressão da tradição não se compara ao gosto de quem se defronta de um ponto de vista íntimo com uma questão ou possibilidade. Mas a formação de especialista se orienta precisamente na direção do perfil seguro, previsível, até medíocre... Os parâmetros institucionais que estabelecem o que é uma "formação" acabam também fixando um, digamos, "gosto normal", um conjunto de Kants, Hegels e Foucaults que, embora tenham de fato obras de importância, são cultuados pelos iniciantes simplesmente por serem chamados de autores relevantes. O mais comum é que pessoas se impressionem ao ouvirem uma citação desses autores mesmo quando não conhecem suas obras ou questões. Esse comportamento talvez seja inevitável incidentalmente, mas desafio qualquer um a negar que tal hábito é propositalmente reforçado pelos citadores profissionais de tais figuras. O fato do respeito a várias dessas figuras ser amplamente justificado não deve omitir o fato de que ele geralmente surge antes de qualquer experiência com suas obras. Existem também obras omitidas por esse direcionamento*¹.
Eu adoraria excluir de minha mente não o conhecimento das obras de vários desses autores, mas o conhecimento de que tais obras são famosas, respeitadas, "essenciais". Quem negará que a fama de um autor cria um viés prévio no leitor? Sem o conhecimento de categorias como "analítico", "positivista", "pós-moderno" e "conservador" muitos textos seriam lidos sob outras cores. E não se trata apenas de um viés nos hábitos de leitura e interpretação. Ultimamente tenho estudado o cristianismo lendo obras de Kierkegaard e Pascal -- mas por quê precisamente Kierkegaard e Pascal, em vez do pastor que prega na igreja próxima de minha casa, ou de qualquer sujeito disposto a acompanhar minha inquisição ao cristianismo pessimista? Mesmo o mais aparentemente simplório indivíduo irá revelar muito sob uma boa dose de maiêutica*² -- isso quando as aparências e preconceitos não nos enganam por completo. Os conteúdos estudados pesam sobre a imaginação e sobre o processo de tentativa e erro de um indivíduo, mas existe ainda o peso do próprio conhecimento de que tais referências são estudadas por outros, um peso que seja por afeição ou repulsa direciona a curiosidade e a atenção também para além dos hábitos de leitura. Não saber qual é a moda, quem são os renomados, quem são os renegados, isso é uma grande fortuna que muitos esbanjam inadvertidamente. E existe ainda a pressão afetiva que a própria figura de um especialista em um autor exerce sob seus orientandos para que eles nunca se desviem de seu catecismo. Mas não é o processo de "formação" precisamente uma série de pressões desse tipo, que direcionam o indivíduo para ser o que se espera dele? Para pensar o que se imagina que ele pensaria? Como antes mencionado, uma ideia geral (para um grupo de alunos) de "formação" negligencia que indivíduos diferentes têm necessidades intelectuais básicas diferentes. Aquele conjunto normal de conteúdos tende realmente a ser um acúmulo de entulho em diversos pontos para todos os alunos submetidos ao "essencial" de doutores egocêntricos. De fato, isso é em grande medida considerável inevitável na educação que se pretende inclusiva; uma sala de aula com quarenta alunos acaba resultando nesse tipo de inadequação. Entretanto, a compulsão acadêmica pela "formação" e pelo espetáculo da celebração dos nomes famosos torna essa consequência mais severa.
A ideia de uma formação no nível superior pode ser respeitada no seguinte sentido: em qualquer dado meio de discussões, existem referências que são citadas amplamente. Se um indivíduo pretende participar desse meio, é positiva uma formação que o permita entender tais referências. O que se pode oferecer institucionalmente é apenas instrumental, um viés básico que permite a interação com a produção acadêmica. Aqueles que falam com orgulho "minha formação" cometem um engano: se trata de nossa formação, nossa mediocridade, nossa normalidade, que nos organiza. Todo o resto, se for autêntico, não é uma formação, mas uma jornada -- aqueles que afirmam que são formados afirmam realmente que optaram pelo conforto, por uma identidade em torno dos feitos até então. Esses querem realmente desfrutar dos benefícios da "autoridade" acadêmica ainda em vida, querem estar determinados intelectualmente antes da morte -- assim desfrutam de feitos moderados. Uma carreira acadêmica de sucesso começa com uma desistência, um pedido de clemência. Ao contrário, o estudioso que é também criador não se define, não "se forma" enquanto ainda tem energia para algo de valor. Quando um autor se fixa, se encontra em decadência, parou de se transformar, suas obras já são os sucessos e fracassos que tal sujeito expressou em seu tempo de vida. Para o nível fundamental, a ideia de formação pode ser um pouco mais ampla, dado que nesse campo os alunos estão ainda em desenvolvimento, mesmo de um ponto de vista fisiológico. Entretanto, para além de técnicas racionais básicas, os conteúdos ensinados devem ter muito mais o papel de inspirar do que o papel de determinar. Estudando um texto de um autor que fez uma descoberta ou formulação importante, o estudante não deve ser compelido a tomar tal resultado como uma referência fixa tanto quanto deve ser estimulado a se inspirar pelo exemplo da qualidade de tal obra -- mais que absorver seu conteúdo, o estudante deve entender, mesmo se intuitivamente, as características de uma obra que eleva a humanidade, para que tal sujeito tenha alguma chance de construir obras semelhantes apesar de toda a pressão para que sejamos normais e medíocres. Embora eu simpatize com todas as demandas para que as instituições de educação sejam melhor administradas e sustentadas, tenho que ser franco: raramente se encontra um único professor capaz de inspirar intelectualmente seus estudantes em algum sentido atualmente, e a maioria dos que acreditam ser desse perfil constam entre os piores repressores do espírito e da criatividade.
Professores admitidamente medíocres não são indivíduos derrotados. São seres nobres e valiosos. Quem recebe a graça de ter aulas com um profissional mediano sabendo que não está diante da excelência no assunto tem a chance de um dia ir além daquelas reflexões, sabendo que está indo além. Enquanto isso, a desgraça comum é que o tipo mediano faça o que for preciso para passar por excelente, para mostrar mais profundidade intelectual que de fato tem no assunto em questão, ou até em geral. Através de uma postura característica de "autoridade intelectual", de uma série de gestos e maneirismos, de uma técnica típica de citar e declamar, muitos infelizes iniciantes são enganados e tomam o normal por excelente. Se é comum que o aluno sensato trace suas primeiras metas abaixo das alcançadas por seus mestres, um sujeito atormentado por charlatães dessa estirpe irá mirar ainda abaixo do senso comum, irá se tornar alguém que domina apenas os gestos associados a uma figura intelectual. Se um professor, além de admitir que é apenas mediano, admite também que não é aberto, que faz na sala de aula um papel de autoridade e ponto final, esse ser humano poderia ser coroado como santo em nossos tempos de (apenas) discursos a favor da crítica, da pluralidade, da democracia. etc. É muito frequente, em particular nas universidades, o caso do hipócrita que organiza uma roda de cadeiras na sala de aula para depois cobrar leituras específicas, fichamentos e quaisquer outros métodos atrasados de avaliação enquanto encara seus alunos e alunas nos olhos... Quando uma autoridade afirma que é aberta ao diálogo mas nunca muda seus planos em função da interação e ainda reproduz a maioria dos padrões das autoridades comuns, observamos a tirania de alguém que, além de gostar de mandar, gosta de passar por progressista. Os mestres admitidamente medíocres cobram pouco, não fazem questão de invadir o espírito de ninguém. Exigem sem meias palavras o que devem exigir e são abertos no restante. Esses tipos muitas vezes são excelentes professores naquilo que pretendem ensinar, porque não gastam energia com fingimentos e de fato prestam atenção nos comportamentos de seus alunos. Enquanto isso, os falsos excelentes cobram volumes e volumes de tarefas em nome de uma imagem de "seriedade" em seus cursos, distorcem os padrões de qualidade e até o critérios de verdade de seus infelizes aprendizes, e ainda substituem a autoridade institucionalmente outorgada pelo autoritarismo através da chantagem afetiva. Tudo no meio universitário atual conduz o sujeito formado a praticar o segundo perfil, e esse tipo nunca se responsabiliza -- o fingimento os isenta de tudo.
Um dos motivos para essa tendência repressora nos formados é também mais uma das desvantagens do estudo institucionalizado : a autoridade intelectual. Um processo de formação não é apenas um estudo ao longo do tempo. No período em questão, o indivíduo está sujeito a uma série de hierarquias, de influências, de reforços negativos e positivos. Uma formação diz respeito à capacidade que um indivíduo tem de tolerar e introjetar as estruturas de autoridade presentes nas instituições de ensino, antes de ser relacionada com os conteúdos a serem estudados. Uma vez que um indivíduo termina um processo de assimilação da autoridade, está pronto para assumir também tal posição -- e sente um impulso nessa direção. Entretanto, o conhecimento, o raciocínio e a pesquisa combinam muito pouco com estruturas de autoridade. Isso porque, posto que a autoridade intelectual se baseia em conhecimentos e formulações, o que impede que alguém que não passou pelo processo de formação questione efetivamente ideias fixadas por um doutor ou algo semelhante? A única forma de se garantir a autoridade intelectual ao longo do tempo é a repressão (ou corrupção) do diálogo. Se iniciantes puderem debater temas com formados de seres humanos para seres humanos, é natural que em diversos momentos se prove que não existe um abismo intelectual entre um grupo e outro. Como a autoridade intelectual nas universidades depende justamente dessa ilusão, os professores universitários adquirem ao longo da formação um repertório de truques para que situações de diálogo aberto sejam evitadas. Um desses truques é a substituição de teorias por referências. É evidente que um iniciante não conhecerá o mesmo volume de nomes em francês e alemão que um doutor conhece, então no meio universitário se transforma justamente isso, a capacidade de citações por minuto, em critério de verdade. No âmbito político de uma universidade, é comum que professores se comportem como verdadeiros políticos corruptos -- com a diferença de que um político corrupto ao menos é racional o bastante para se beneficiar enquanto prejudica o público... No ambiente escolar, também é comum que a autoridade dos professores se torne um entrave intelectual. Embora seja justificado que no ambiente escolar os valores e hábitos dos estudantes sejam corrigidos em muitos aspectos ao longo de uma formação, essa correção é facilmente exagerada, criando um ambiente de todo repressor e constrangedor na sala de aula -- um ambiente que racionalmente deve ser odiado. Quantos traumas se somam e se agravam não por causa de práticas de bullying e coisas assim, mas pela forma como o ambiente escolar é introduzido e fixado nas vidas das crianças e adolescentes? As autoridades do meio e seus dogmas tem um papel muito maior nisso do que se reconhece nos discursos mais frequentes sobre os problemas da educação.
Uma posição de autoridade é justificada se tem alguma finalidade que não seja a própria autoridade*³ -- o gosto pela autoridade em si é a paixão da tirania. Porém, se uma autoridade tem uma finalidade, uma vez que essa finalidade é atingida, não existem mais razões para que ela seja seguida. Não faz sentido que o papel de uma autoridade intelectual seja inserir nos estudantes algum pacote de "formação" em qualquer um dos sentidos mais comuns, pelas razões já mencionadas e ainda outras. O papel de um professor acadêmico é oferecer um instrumental básico para que seus estudantes possam participar do meio acadêmico. Uma vez que isso foi alcançado, mestre e discípulo deveriam desfazer essa relação e começar outra próxima da igualdade. Se o abismo imaginário entre cada posição de autoridade intelectual fosse menor, isso apenas favoreceria o avanço das pesquisas e discussões acadêmicas. As teses mais elevadas naturalmente se destacariam e se refinariam pelo debate honesto, e os indivíduos merecedores de destaque o receberiam por um processo respeitável e livre de repressões desnecessárias. Entretanto, o desejo pela autoridade em si é patente entre os universitários, em especial entre doutores. É sintomático o quanto professores doutores mantém suas relações de autoridade com seus orientadores de doutorado mesmo após ocuparem a mesma posição. A autoridade não é tomada nesse meio como algo que deve cumprir uma função e se desfazer antes de se tornar perniciosa, mas como uma recompensa que todo o universo deve ao indivíduo por ter suportado sem questionamentos a autoridade sem função de seus "mestres". A função de um mestre é instruir. Se um mestre não pode mais instruir um indivíduo -- seja porque o sujeito já está preparado para instruir a si mesmo ou porque encontrou outros caminhos -- a relação de autoridade entre os dois deve ser desfeita, deve se reverter ao seu estado mais simples, no qual ambos indivíduos são apenas dois seres humanos. É muito comum que se fale em "humildade" e em "gratidão" em uma tentativa de se justificar a posição desses tiranos decadentes que infestam nossas instituições. Mas não existe humildade nenhuma no rastejar de um verme que simplesmente aguarda o dia no qual poderá ser um parasita como seus repressores, e é precisamente ingratidão que o legado dos grandes mestres do passado seja desperdiçado porque somos incapazes de seguir o exemplo daqueles que tiveram coragem diante da incerteza.
Em comparação, como é mais leve o ambiente de estudo e de discussão sem essas compulsões! Quem estuda por conta própria, nunca vai mandar em ninguém através de seu repertório, mas também não terá que obedecer as orientações egocêntricas de ninguém ao longo de seu caminho de sabedoria. A autoridade é um grande peso, e de tão trabalhosa manutenção quanto a reputação no meio universitário. O sujeito formado e adornado como autoridade intelectual não evita ceder em uma discussão apenas por arrogância, mas também porque seu papel fundamentalmente ilusório e imaginário precisa desse tipo de manutenção. A autoridade intelectual permanente não se baseia em nada, nem em uma função, nem em uma qualidade exclusiva do indivíduo, o que impede que o indivíduo seja autêntico enquanto faz esse papel. Quem não se coloca como uma autoridade intelectual reserva para si o direito de errar, de admitir que seus argumentos foram superados, de confessar ignorância em qualquer assunto, de fazer experimentos que quase certamente serão fracassados. Toda energia gasta com as ficções compulsórias que mantém os doutores como semideuses acima de nós e os clássicos como deuses acima dos doutores -- todo esse tempo e esse esforço podem ser gastos com quaisquer outras atrações da vida, incluindo uma busca sincera pela verdade. Em vez de ser condicionado pela castração acadêmica, o sujeito livre desse tipo de autoridade pode encontrar suas referências e motivações na interação com outros indivíduos iguais, ou com os problemas de seu tempo, etc. A não ser que um indivíduo seja incapaz de se motivar sem figuras de autoridade, as desvantagens do estudo livre em relação ao universitário são estritamente pragmáticas. O acesso a recursos como livros caros, traduções recentes e periódicos acadêmicos é bastante limitado fora das universidades. A atenção que um acadêmico renomado recebe é útil em todos os âmbitos imagináveis (e até poderia ser intelectualmente mais útil), enquanto um sujeito independente ou aposta em um público extemporâneo, ou abandona a ideia de ser reconhecido. As universidades aglomeram indivíduos interessados no conhecimento (embora isso muitas vezes ocorra na forma de uma armadilha), enquanto fora do meio acadêmico o encontro entre dois interessados em discussões e estudos é consideravelmente mais raro. Um salário de doutor abre muitas portas, também. Mas mesmo quando tratamos dessas vantagens, elas podem ser substituídas por outras formas de interação, trabalho e divulgação possibilitadas pela internet. A carreira acadêmica certamente não é tão atrativa quanto sua propaganda sugere, e justamente pela omissão dos problemas mencionados, além de outros, se perpetua algo como uma muralha entre os universitários e a comunidade externa. Dentro da acadêmia a mera discussão dessas questões costuma ser tomada como um desrespeito aos doutores presentes... Se estabelece assim um espírito de "nos adore ou nos deixe" -- e a grande maioria da população faz a segunda opção, com toda a razão.
Mesmo sem a existência de todos esses aspectos políticos e culturais que interferem nos estudos associados a alguma instituição universitária, os próprios conteúdos estudados, simplesmente por preencherem a memória, causam limitações quase tanto quanto abrem possibilidades. Nem todo viés é sensível à verificação empírica, mesmo se for o viés de um indivíduo que busca firmemente o ideal de honestidade intelectual. Por exemplo, o conceito de dialética de Hegel é perfeitamente imune a qualquer tipo de falsificação empírica ou contra argumento lógico. Se um indivíduo estuda obras de Hegel e adota a mentalidade de que a história é dialética, surge nisso um viés que poderia perfeitamente ser de outra forma, mas que provavelmente irá persistir por muito tempo até começar a mudar, minimamente. Mesmo se o sujeito estiver determinado a negar as proposições do autor, estará ainda negando especificamente aquelas proposições, daquele autor. Em outras palavras, o indivíduo é influenciado pelo contato com as ideias alheias independentemente de ter ou não "pensamento crítico". Essa influência tende a condicionar também os estudos futuros, seja por atração ou em reação aos conteúdos absorvidos. Isso geralmente resulta em um sujeito que ou tem firmes convicções em ideias alheias, ou não sabe ter convicções, um sujeito que depende da formulação metafísica alheia. Quanto mais pessoal, mais autêntica for a visão de mundo de um sujeito, maior será sua atenção para os problemas, possibilidades e pessoas ao seu redor e em seu tempo. Ao contrário, aqueles que se deixam absorver nos grandes sistemas metafísicos de outros indivíduos aos poucos se tornam incapazes de considerar discussões incompatíveis com tais sistemas. Quando um sujeito se mantém na sua própria metafísica, seu improviso pode acompanhar os fatos ao seu redor. Se o sujeito depende de uma metafísica alheia, essa adaptação é quase impossível, porque depende antes da compreensão da mentalidade de outro indivíduo através de suas palavras em livros e entrevistas. Entre um especialista ou adepto fanático da obra de um autor e a realidade ao seu redor não existe um abismo, mas dois. Os pensamentos alheios fortalecem a inteligência de um sujeito na medida em que combinam com suas inclinações intelectuais mais simples e espontâneas -- com seus axiomas. O esforço em torno de uma instrução "objetiva" faz sentido apenas na perspectiva da ciência, e mesmo nesse campo existem muitas dificuldades com o conceito de objetividade. A busca pela objetividade na forma da absorção, mesmo a contra gosto, de sistemas, teorias e preocupações de autores "relevantes" é um exercício consciente contra a autenticidade. As referências "essenciais" são um conjunto muito mais pessoal do que a maioria dos estudiosos gostaria de admitir -- justamente porque querem parecer sábios além de estudados, porque sustentam que suas leituras resolveram algo. Também por isso tratam aqueles que não possuem as mesmas referências como se fossem pobres de espírito.
A simples carga de leitura cria, conforme aumenta, uma tendência à arrogância, mesmo sem o incentivo das instituições de ensino. O tempo gasto com aquelas interações não é gasto em debates, ou na observação dos fatos atuais, ou em reflexões existenciais íntimas, etc. A dinâmica dos livros é cem vezes mais lenta que a de uma conversa qualquer, e não contém nenhuma troca de afetos. Autores que comunicam suas ideias e interagem com outras principalmente por essa via se acostumam com raciocínios extremamente longos entre uma resposta e outra. Quando esse hábito se transfere para a vida social, temos o tipo de indivíduo que não consegue explicar nada em menos de quinze minutos ou com menos de dez citações (os eventos acadêmicos são coleções desses tipos). O hábito com o "debate" através do estudo e da escrita de obras inteiras em reação a outras naturaliza a prática do monólogo com ouvintes, que predomina hoje nas universidades repletas de tipos que se pretendem libertários, abertos, democráticos, etc. Quando se focaliza tanto a própria vida intelectual, quando os únicos momentos filosóficos do indivíduo ocorrem diante de um livro ou de um monólogo de especialista, é natural que o restante da vida do sujeito seja isento de espírito. Todos nós temos diversos anseios de diversos tipos. Se acreditamos que um anseio está completamente satisfeito por uma determinada carga horária, não nos preocupamos com isso em outras esferas. Assim surge o tipo de erudito comentado por Nietzsche, o erudito sem espírito, que conhece um grande número das maiores obras da humanidade mas se comporta socialmente como um perfeito imbecil, se cercando de opiniões e hábitos vulgares mesmo diante do senso comum. Ao contrário, o sujeito que não focaliza tanto seu esforço intelectual tende a espiritualizar mais esferas da vida, buscando conversas filosóficas com amigos, filmes com alguma profundidade, hábitos que façam sentido diante de seus valores próprios, etc. Nada justifica a separação que os especialistas e a obsessão criam entre a instrução e o prazer, entre o estímulo intelectual e a diversão. A frieza, seja no discurso ou na escrita, pode ser perdoada em favor do conteúdo, mas não é nenhuma virtude. Se existem indivíduos que sabem discursar de forma profunda e ao mesmo tempo clara, jovial e aberta enquanto outros levantam reflexões relativamente interessantes mas de forma obscura, pedante e reclusa, o segundo tipo é simplesmente obsoleto. É claro que, para quem não sabe pensar por responsabilidade própria e não tem nada a oferecer além de suas citações, as obras e figuras mais obscuras e fechadas são justamente as mais atrativas, por exigirem dedicação infinita e sem propósito.
Se isso fosse possível, o ideal seria que um indivíduo nunca colocasse em sua mente nenhuma referência que lhe fosse inútil, nada que pudesse condicionar suas reflexões de uma forma esterilizante, por quaisquer um dos fatores discutidos anteriormente. Como a busca pelo desconhecido e por novas possibilidades não permite tal segurança, é importante que se tenha ao menos autenticidade nas próprias desventuras. A adesão irrefletida a um plano de "formação", formulado também de forma automática, não chega sequer a ser um pacto onde se vende a alma por algum benefício. Se trata realmente de uma falta de lucidez e coragem pela qual muito potencial é desperdiçado, para o benefício de ninguém. Pascal foi muito preciso ao afirmar a importância da questão acerca do destino de nossas almas após a morte -- apenas um ser com uma sensibilidade extremamente amortecida poderia se tornar indiferente ao seu destino eterno. De forma semelhante, um ser que guarda para si alguma dignidade não pode simplesmente lançar ao acaso a seguinte questão: "O que eu faço resultará em algo de valor para alguém?". O "certamente sim!" que ressoa ao redor da interminável pilha de trabalhos de função equivalente no meio universitário é um otimismo decadente. Entra na mesma categoria a postura do público que se diverte em uma ou outra ocasião com a fala de alguma figura intelectual renomada na mídia, mas que não leva suas ideias para além disso. Se trata do tipo de otimismo que nega os problemas em favor de um benefício psicológico a curto prazo, possibilitando que processos perigosos e reversíveis se agravem ainda mais, até que uma soma de problemas exploda em alguma tragédia. A letargia filosófica que infecta nosso século não é nada a se subestimar. Com as diversas tensões políticas nacionais e internacionais aumentando enquanto a capacidade de expressão autêntica se reduz nos indivíduos, o que impede a humanidade de repetir por simples inércia alguns dos padrões destrutivos do passado? Nossa impotência diante do provável resultado catastrófico dos erros da humanidade não é responsabilidade de nenhum autor clássico, de nenhuma crise econômica nem de nenhum presidente americano. Você, e apenas você, é responsabilizável pelos seus triunfos e limitações. Os únicos estudos valiosos são aqueles que esclarecem e reforçam essa consciência da liberdade.
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Notas:
*1: "Existem também obras omitidas por esse direcionamento"
Por exemplo, as grandes obras filosóficas do oriente são ou ignoradas ou abordadas apenas como uma curiosidade na academia simplesmente porque o viés eurocêntrico é transmitido de geração a geração através dos diversos processos comentados no texto. Aliás, eu diria que o eurocentrismo na filosofia em particular não é sequer justo com a Europa, e ainda sequer justo com a Grécia Antiga... Muitas referências se perdem porque sustentamos a soberba dos doutores que acreditam que estudam isto e não aquilo porque isto é algo universalmente importante e aquilo é irrelevante.
*2: "Mesmo o mais aparentemente simplório indivíduo irá revelar muito sob uma boa dose de maiêutica"
É evidente que em uma cultura de citadores um indivíduo com pouca formação vai parecer superficial com suas opiniões. Entretanto, quando se tem a paciência para ouvir, entender e questionar a partir disso, sem a imposição ao indivíduo de pressupostos estranhos às suas reflexões, muitas vezes o discurso inicial se refina com facilidade e chega em reflexões profundas. Mas um sujeito "formado" tende a ser incompetente tanto no diálogo aberto quanto nessa arte fundamental da filosofia, e geralmente não sabe como mostrar os limites na opinião alheia de forma construtiva. Assim, o sujeito "culto" finge que concorda, se cala ou intervém de forma pedante -- mostrando toda sua sabedoria de academia e refinamento espiritual livresco.
*3: "Uma posição de autoridade é justificada se tem alguma finalidade que não seja a própria autoridade"
Vale acrescentar que a autoridade também pode ser justificada pela presença de uma qualidade singular ou de extremo valor no indivíduo, além de sua utilidade no cargo em questão. Como foi explicado, as autoridades acadêmicas atuais raramente tem alguma qualidade desse tipo, e suas dinâmicas são ajustadas para que a verificação pelo debate aberto de fato nunca aconteça. Para além da justificação de um cargo, a autoridade intelectual é um sinal das piores tendências tanto de obsessão quanto de covardia na sociedade, um sinal de que a democracia não se realiza também por questões psicológicas, além das políticas.
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